"Não sei de mim. Sei que tenho uma alegria nos olhos e que a tristeza por vezes faz eclipse, e que minha vontade é de mergulhar no que me aconchega: a palavra, a caneta... lambuzar-me na tinta preta, até me reescrever inteira" (Nanquim - Débora Tavares)
sábado, 8 de janeiro de 2011
Carta Extraviada 4
Sou mais um desses boçais que escreve tudo aquilo que deveria ser falado, e você é mais uma vítima que jamais vai ter atendido o seu desejo: saber.
Mesmo consciente da sua boa vontade de me ouvir e entender, lhe escrevo, não posso ir além, não peça para remeter-me, esta carta não é para chegar, é uma carta de ficar.
Para mim e para você, escrevo que, daqui de onde me encontro, você está longe e perto, e eu estou sozinho e não.
Do que sinto, aviso que é forte mas não é perigoso, é como um grande lago sereno, eu sou o píer, quase me precipito, você é todo o resto, toda água, tudo o que há.
Mas somos dois e em vez de par, somos ímpares.
Estou possuído por você e ao mesmo tempo permaneço impermeável, amo a seco, e rendido.
Você não me acharia covarde, você não acharia nada: você não me conhece.
Sou um vulto, um alguém, você foi gentil comigo como é com os garçons e os primos, com os pedestres e com os turistas, você foi o que sempre foi, e eu não fui com você: no terceiro minuto ao seu lado eu já sabia que era irremediável, e em vez de segurar sua mão e reverter-lhe a pressa, deixei que você fosse, eu fiquei.
Os dias, os gestos, rituais cotidianos, surpresas, tudo corre, tudo passa por mim, menos o susto deste amor que entranhou-se feito limo, umidade em peito árido, me sinto tomado, absorvido, e não encontro método ou coragem para dizer: você que é o motivo e dona desta represa, fique comigo, pois é só o que eu sei fazer, ficar.
Mas você é ligeira, em movimento constante, você não senta, não repara, quer vida demais, sedenta, me fisgou muito rápido, e eu sou lento, estudado, incapaz de um repente, apaixonado por uma mulher impaciente, que suplica com o olhar e não espera, você se foi, em frente, quando deveria ter ficado.
Você não me conhece, não houve tempo.
Seu olhar me autorizava o flerte, se eu lhe acompanhasse, rogaria por um beijo, e de mãos dadas o nosso caminho haveria de ser compartilhado.
Mas eu sou mais um desses boçais que não falam, que pensam demais antes do próximo passo, e você é mais uma vítima de um amor não consumado.
(Texto do Livro "Cartas Extraviadas e outros poemas" de minha "musa", Martha Medeiros).
Acho muito interessante este texto e resolvi compartilhar enquanto reorganizo minhas idéias...
Cada um deixa as pistas que pode, não é mesmo?
Vários deles beijos! ;)
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