segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Harmonia


"São delicados e sutis os fios da harmonia. 
Ao contrário da alegria, do entusiasmo, ela é uma das sensações mais discretas. 
Sua voz é quase imperceptível, feito outra qualidade de silêncio. 
Ela não é uma gargalhada, é aquele sorriso por dentro, uma sensação gostosa de estar no lugar certo, na hora adequada. 
Feito um arco-íris depois da tempestade, sua beleza é adornada pelo equilíbrio dentro do derramamento. 
É um adestramento dos fantasmas internos. 
A possibilidade de aprimorar os pensamentos. 
É quase como não pensar. 
Simplesmente, sentimos uma ligação profunda com tudo, um denso bem-estar. 
Como se tivéssemos uma secreta intimidade com o mundo, certa cumplicidade com o tempo. 
É como se observássemos descompromissados, ela é uma descontração. 
Como se o coração batesse pelo corpo todo, mas sem extremada euforia. 
Uma tranqüilidade dilatada no peito, o olhar satisfeito, a mente entendendo que já nem precisa entender o que é prosa ou poesia. 
E o mundo inteiro cabendo num abraço. 
E uma firmeza na carícia, a maturidade que perdeu o cansaço, uma confiança que preenche a existência. 

A harmonia é um contato profundo com a experiência. 
E o tempo do dia não é mais composto por esperas, ele é vivido. 
E já não se fala, palavras passeiam pela boca. 
E já não se escreve, as frases coreografam as paisagens. 
E já não se ama, o amor vigora em nós. 

A harmonia tem fios muito delicados e sua trama faz a ligação mais suave entre todas as urgências já sentidas. 
E o chão do sonho é macio, e tudo parece estar alinhavado, numa ligação sem sufocamentos. 
E a poesia não deseja mais ser nada, vira o afago de um momento. 
E nas letras a textura de um veludo, como se ao correr pela página, os olhos pudessem ser acariciados. 
E você tem todas as coisas sem precisar tomar posse delas. 
Você ama o amor, não o delírio de estar apaixonado. 

Sinto a harmonia como uma espécie de fascínio pela vida. 
É quase uma perda de outros apetites, porque se está tão nutrido pela própria companhia. 
E a gente tem aquela vontade súbita de andar pela noite: não apenas para olhar as estrelas, mas também para por elas sermos vistos. 

Harmonia é como se fôssemos inundados pelo mar onde antes só havia um precipício.” 

Marla de Queiroz

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